quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Da fraternidade

Hoje fui chamada de idiota. Fiz merda no trânsito e quase bati no carro de um cara. Nós freamos e ele me chamou de idiota.

Só isso foi suficiente pra transformar meu dia num daqueles em que a gente se pergunta se deveria mesmo ter saído da cama. Fiquei com uma dor de cabeça constante, meu rendimento no trabalho ficou perto de zero. Merda. Depois dum dia desses, só mesmo uma missa infestada de cachorros poderia fechá-lo com chave de ouro.

Pra quem não sabe, meu irmão, de 17 anos, é um católico fervoroso. Isso é fenômeno relativamente recente, mas ele ama a fé que ele segue como eu vejo poucos fazer. E, sendo hoje dia de São Francisco de Assis, foi natural que ele quisesse ir à missa no santuário que leva o nome do santo do dia. Resolvi então encontrá-lo lá na saída do trabalho para dar uma carona de volta pra casa a ele.

Me arrependi imediatamente quando entrei no estacionamento da igreja. Cachorros. Zilhões deles. Cachorros latindo, assustando crianças que se esgoelavam, incentivando os cachorros a latir mais. Maldisse o santo que resolveu que ser rodeado por animais era uma boa pra sua imagem e entrei na igreja apinhada de gente com cachorros no colo esperando pela bênção ao final da missa.

Meu mau humor poderia ter continuado por mais um tempo não fosse um momento da missa em que cantaram a oração de São Francisco (sabe, aquela do "fazei com que eu procure mais compreender que ser compreendido" na voz do Fagner e tal). É uma música que eu gosto. Depois disso, houve a eucaristia e meu irmão, depois de comungar, rezou com a hóstia na boca, e sorrindo. Vou dizer que foi uma imagem bonita, dessas que evocam comunhão perfeita com o divino -- coisa que eu nunca experimentei, ao menos não que eu me lembre; e diga-se de passagem, esse não é um texto de catequese ou conversão. Se você for punk ateu, não precisa parar de ler por aqui.

Daí que, sem perceber, fui baixando a guarda e me deixei levar pelo resto da cerimônia. É inegável que uma profissão de total entrega à caridade como a que esse santo levou é admirável, e isso me incentivou a pensar em como eu poderia -- perdoe o clichê -- fazer minha parte. Não ia querer mexer com animais, mas um projeto de assistência social poderia ser uma boa. Sei lá, vai que eu conhecia uma creche. Poderia pensar num hospital que precisasse de voluntários, numa campanha de arrecadação de bens pra revitalizar regiões atingidas por desastres naturais, alguma coisa.

Foi pensando nisso que, dirigindo pra casa com o meu irmão do lado, este me fala com urgência "Péra, para ali perto daquele irmão de rua!". O "irmão de rua" era um mendigo que estava revirando o lixo numa caçamba na calçada. Nisso, encostei o carro, e meu irmão estendeu pra fora da janela o cachorro-quente que eu tinha comprado pra ele na saída da missa e que ele estava guardando pra quando chegasse em casa. "Já comeu hoje, irmão? Pode comer carne?", pro tal irmão de rua; este respondeu que sim à última pergunta, olhando pro cachorro-quente. "Pega aqui, ó. Tenha uma boa noite"; o irmão de rua pegou o cachorro-quente e agradeceu três vezes, radiante. Nos despedimos também radiantes e saímos.

Como disse, meu irmão tem 17 anos, e é natural que eu, sendo mais velha, desacredite o que ele defende por ser tão jovem e entender tão pouco da vida. Mas, depois dessa, calei minha boca, naturalmente. E, sorrindo, constatei que meu irmão, de 17 anos, em menos de 30 segundos e sem creche nem campanha de arrecadação, não só pôs por terra a ideia de que ter me levantado hoje cedo fora péssima; ele, antes de tudo, me deu um exemplo de motivo suficiente pra eu me levantar da cama todo dia.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Muitas foram as vezes

em que disse, durante o semestre letivo, que, ah se eu tivesse um tempo de folga, leria tal livro, veria tal filme, coseria, cozinharia, escreveria. Passaram-se já duas semanas e não fiz nada dessas coisas que prometi fazer pra mim e só pra mim. Assim, pelo andar da carruagem, teria daqui pra frente mais três semanas de férias de puro ócio nada criativo. Uma bosta de ócio. Ainda bem que acordei a tempo.
Ponto pra mim. Agora, dá licença que eu vou ser feliz comigo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Bruto esforço cotidiano

Passava na frente da livraria quando a viu, do outro lado da vitrine. Ele levantou a mão, mas calou-se no meio do Ma – melhor não, pensou. Deixou-a estar.

Na frente da vitrine, de camarote, pôs as mãos nos bolsos e ficou a ver as estantes e como ela passeava entre elas. Como meio que dançava entre elas. Como colhia os livros que gostava, os desenhos das capas a chamando. Como fazia caretas para as outras capas mais caladas. Com as mãos no bolso, de camarote, ele ria das caretas.

Via como balançava a cabeça. Como mexia os lábios com a música. Como fechava os olhos. Como era só ela só. E ele escondido.

Com as mãos no bolso, saiu do camarote antes do término do show.

**

Chegou em casa chateada. Ninguém presenciara o espetáculo da naturalidade forçada. Assim, de que servia?

Jogou o livro a um canto, apagou as luzes. Despiu-se e virou ela mesma. Virou na cama e deixou-se virar ninguém.

Até o próximo dia.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A exemplo da Leah, de thxthxthx.com

Querido Julho de 2010,

Obrigada por ter demorado tanto para criar esse frio na barriga gostoso e por ter chegado rápido o suficiente pra me fazer continuar a acreditar que isso está realmente acontecendo.

Seja bem-vindo, e obrigada por trazer tantas mudanças lindas contigo!

Beijos,
Lu


P.S.: Queria fazer uma bilhete bonito a mão igual aos da Leah, mas meus garranchos não saíram muito bem. Espero que não se importe com bilhete via web. Ainda é de coração.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Sobre o amor

Gosto de chorar e sentir as lágrimas descendo nas bochechas. E de soluçar chorando.

Minha mãe, não. Ela chora sem fazer barulho e enxuga as lágrimas antes de elas saírem dos olhos quando ela está acompanhada, e é ainda mais discreta quando está perto de mim e de meus irmãos. Trabalho de mãe, essa coisa de esconder sentimento.

Ontem, a gente viu um filme que fez até minha irmã chorar – mas não meu pai. Que eu saiba, ele só chorou com "Querido Frankie" –. Era de uma mãe que perdia uma filha querida pra uma doença que ela, a mãe, demorou para aceitar que levaria a menina sem tardar. É um filme muito cheio de amor. Ao final, a minha mãe deu um beijo nas nossas testas e abençoou nossa noite como sempre faz. Ela chorou sem fazer barulho durante o filme, e fez o mesmo quando abraçou meu pai e escondeu o rosto e mais algumas lágrimas em seu braço. Ainda abraçada com ele, ela me olhou e me flagrou olhando pra ela. E sorriu.

Trabalho de mãe. Esconder que tem todo o sentimento do mundo.

domingo, 4 de outubro de 2009

Gratuita

"Na outra encarnação – digo, se houver outra encarnação – eu quero ser o vento".

Foi o que eu ouvi enquanto passava na roleta do ônibus hoje de manhã. Foi o motorista quem falou. Engraçado, não é preconceito nem nada, mas já vi motorista falar palavrão e contar história da família, mas nunca vi um fazer poesia.

"Oxi, por quê?", respondeu a cobradora (porque ele tava falando com a cobradora).

E ele ficou calado. Ela meio que fez cara de zombaria e eu passei o cartão e rodei a roleta.

Ela não entendeu; mas eu entendi.